top of page
Imagem de um atleta com deficiência visual surfando. Ao fundo, o mar azul preenche a imagem.

IMAGINE VOCÊ PRATICANDO ALGUM ESPORTE

Agora imagine você praticando esse esporte de olhos fechados e vendados

VISÃO PARA ALÉM DO ESPORTE

O preconceito contra pessoas com deficiência visual e a inclusão social através do esporte adaptado

          Imagine você praticando algum esporte. Agora imagine você praticando esse esporte de olhos fechados e vendados. Essa é uma vivência que pessoas videntes podem fazer para ter uma noção de como é praticar esportes utilizando outras percepções a não ser a visão. Pessoas com deficiência (PcD), seja ela visual, auditiva, mental ou física, praticam o esporte como qualquer outra. A palavra chave é adaptação. Existem técnicas e instrumentos que foram criados para adaptar as regras e o modo de praticar o esporte para pessoas com deficiência. 

 

          Dentre todos os benefícios da prática regular de atividade física que são mundialmente conhecidos, o esporte adaptado dá a oportunidade para o atleta com deficiência testar seus limites e potencialidades, prevenir enfermidades secundárias, além de contribuir para a quebra de preconceitos e estereótipos ligados ao corpo e a capacidade das PcD. A discriminação e o preconceito por formas ou habilidades corporais é chamado de capacitismo. Ele é estruturado na sociedade de tal forma que a palavra deficiência é entendida como antônimo de eficiência, fazendo com que as PcD sejam vistas como incapazes e tratadas com tom de assistencialismo ou paternalismo.

 

          Em 2016, durante a semana de ativismo do Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, 03 de dezembro, uma campanha surgiu nas redes sociais sob a hashtag #ÉCapacitismoQuando, a fim de conscientizar as pessoas sobre suas atitudes de discriminação com pessoas com deficiência. Atitudes capacitativas nem sempre se manifestam sob palavras de ódio. Muitas vezes são falas disfarçadas com supostas boas intenções que não são percebidas como preconceituosas. Por isso a importância de espalhar para o mundo o ‘é capacitismo quando’ .

Print de tela do Twitter. Vários tweets um abaixo do outro, com a hashtag É capacitismo quando.

Print de tela da campanha #Écapacitismoquando, que começou no twitter e se espalhou pelas redes sociais através dos relatos de pessoas com deficiência.

          No  esporte, o capacitismo é ainda mais presente pra quem não conhece a prática. Muitas pessoas não sabem que existe o esporte adaptado para pessoas com deficiência e não buscam entender como ele funciona. O esporte adaptado surgiu no começo do século XX, voltado para jovens com deficiências auditivas. Mais tarde, em 1920, atividades como natação e atletismo foram adaptadas para pessoas com deficiências visuais.

          O esporte adaptado para pessoas com deficiência física começou a ser utilizado após a Segunda Guerra Mundial, para reabilitação e inserção social dos soldados que voltavam para casa mutilados. Em 1960, os primeiros jogos paraolímpicos foram organizados em Roma. Cerca de 400 atletas vindos de 23 países competiram em 8 esportes, 6 deles ainda inclusos no programa de competição Paraolímpica (tênis de mesa, arco e flecha, basketball, natação, esgrima e atletismo). Desde 1960, foram organizados 11 Jogos Paraolímpicos de Verão e 7 Jogos Paraolímpicos de Inverno. Conheça as principais modalidades do esporte paraolímpico para pessoas com deficiência visual:

natação

O esporte pode ser praticado por pessoas com diversos tipos de deficiência, sejam elas físicas, visuais e intelectuais. A natação é a modalidade das paralimpíadas que mais reúne atletas. De acordo com a deficiência, o atleta pode fazer a largada dentro da água, sentado ou ao lado do bloco de partida. Em certos casos é possível que o competidor receba ajuda de um técnico ou voluntário na hora da largada. As pessoas com deficiência recebem a assistência de um tapper, ou seja, uma pessoa que utiliza um bastão com ponta de espuma para avisar o atleta quando deverá dar a virada ou no momento de chegada

ciclismo

Atletas com deficiência visual, paralisia cerebral e amputados podem competir. Nas paralimpíadas o ciclismo pode ser disputado nas modalidades em estrada e pista. Atletas com deficiência visual competem em uma bicicleta dupla chamada “tandem” e são guiados por outra pessoa que fica no banco da frente.

hipismo

A modalidade paralímpica é praticada em mais de 40 países e tanto os competidores como os cavalos recebem medalhas. O esporte pode ser praticado por pessoas com diversos tipos de deficiências. A pista onde acontece a prova deve seguir regras de acessibilidade, oferecendo segurança para os competidores. Além disso, são utilizados sinais sonoros para orientar atletas cegos.

judô

O judô é a única arte marcial entre as modalidades paralímpicas. Os atletas podem ser classificados por peso e grau de deficiência visual. Porém, atletas de classes diferentes podem competir juntos. O judô tradicional e o paralímpico possuem poucas diferenças, sendo realizadas pequenas adaptações.

atletismo

A modalidade paralímpica faz parte dos jogos desde sua primeira edição. As provas incluem saltos, corrida, lançamentos e arremessos e podem ser disputadas por atletas com deficiência física ou visual. Os atletas paralímpicos são divididos em grupos de acordo com o grau de deficiência e podem competir com próteses especiais ou cadeira de três rodas. No caso dos deficientes visuais, os atletas são orientados por guias, que ficam ligados a eles por uma corda.

futebol de cinco

A modalidade é disputada em uma quadra com as mesmas medidas do futsal, mas com algumas alterações nas regras tradicionais. Praticado por deficientes visuais, os competidores precisam utilizar vendas nos olhos para que nenhum deles tenha vantagem sobre os outros. Apenas o goleiro consegue enxergar normalmente. Os jogadores se guiam pelo som dos guizos que ficam no interior da bola.

O INCENTIVO AO ESPORTE ADAPTADO

         O Brasil é uma potência paraolímpica conhecida por seus grandes atletas. Buscar cada vez mais a inclusão desses atletas, investir e criar oportunidades que possibilitam o acesso a prática de esportes é contribuir para a inclusão social e igualdade de direitos. O conjunto das leis brasileiras destinadas aos direitos das pessoas com deficiência é reconhecido como um dos mais abrangentes do mundo. A primeira lei federal abrangente sobre pessoas com deficiência é a Lei 7.853/1989, que busca assegurar o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiências e sua efetiva integração social, considerando os valores básicos da igualdade de tratamento e oportunidade, da justiça social e do respeito à dignidade da pessoa humana. Esta legislação cria também a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Deficiente (CORDE), vinculada ao então Ministério da Ação Social, hoje Ministério do Desenvolvimento Social, criado em 2014 pelo ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. No governo Bolsonaro a pasta foi incorporada ao Ministério da Cidadania, juntamente com o Ministério do Esporte e da Cultura. 

 

          Em 2015, foi instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, constituída por 127 artigos. Trata dos direitos fundamentais da pessoa com deficiência, do acesso à informação e à comunicação e do uso de tecnologias assistivas, do direito à justiça e o que acontece com quem infringe as demais exigências. 

 

          Mesmo sendo o Brasil uma potência paraolímpica, a dificuldade de achar espaços para treinar é grande. Segundo o estudo “Barreiras para a prática de atividade física em pessoas com deficiência visual”, publicado na Revista Brasileira de Ciências do Esporte, os problemas com as calçadas e a falta de instalações/espaços apropriados são as duas principais barreiras para a prática de atividade física em pessoas com deficiência visual. A falta de políticas de apoio das entidades públicas está em terceiro lugar, demonstrando como o incentivo à prática do esporte adaptado é pouca e está relacionado com os dois principais problemas listados. O investimento em melhorias para calçadas adaptadas, espaços próprios para atletas com deficiência e projetos que possibilitam o acesso ao esporte fazem parte de uma política de inclusão da pessoa com deficiência, que ainda é mal explorada no Brasil.

 

          Em Florianópolis, a Associação Catarinense para Integração do Cego  presta apoio de várias formas para pessoas com deficiência visual (cegas ou com baixa visão). A instituição, fundada em 1977, tem projetos para apoio educativo, de habilitação, reabilitação integral e profissionalização. Na ACIC, a pessoa com deficiência visual tem a oportunidade de conhecer e praticar várias atividades adaptadas como jiu jitsu, atletismo, ciclismo, yoga, natação, dança, aulas de música e ping-pong, sendo esse último adaptado pela professora Isabel Nunes, coordenadora de esportes da Associação. “Adaptação. Essa é a palavra-chave. Tanto nas escolas como na hora da atividade física, o professor tem que ser criativo, fazer o aluno participar.” 

         

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                   

 

                    Algumas das atividades realizadas pela Associação Catarinense pela Integração do Cego. Também estão inclusos o futebol e o tênis de mesa.  Foto: Giuliana Arruda    

          A Associação foi criada e pensada para ser um espaço inclusivo “de cegos para cegos”. Funciona através de parcerias e doações e não tem fins lucrativos. A Professora Isabel Nunes comenta que sem o projeto de parceria feito com a Prefeitura Municipal de Florianópolis desde 2017, os treinos de atletismo, natação e ciclismo não seriam tão frequentes. Apesar da prefeitura disponibilizar verbas para projetos da ACIC, ainda existem muitas barreiras econômicas e estruturais que impedem a evolução do esporte adaptado. 

         

          Por falta de espaço para a corrida e o ciclismo, muitos dos treinos são feitos na Avenida Beira-mar. Além da falta de pista apropriada para apenas corredores, a atitude das pessoas videntes é uma barreira para a prática apropriada e segura da corrida adaptada. Chamadas de barreiras atitudinais, elas vão desde preconceito e descaso com o atleta com deficiência à falta de atenção das pessoas videntes. Artur Mantelli, terapeuta e diretor do Centro de Esporte, Cultura e Lazer (CCEL) da ACIC, afirma que o principal problema na Beira-mar são obstáculos ao longo da pista, como o caso dos patinetes e bicicletas. “Eu chamo de obstáculos móveis. É a pior coisa que tem porque a gente nunca sabe onde eles estão parados. Moto, patinete, bicicleta....A questão é que a gente se machuca”, explica Artur.

 

          O apoio das universidades é essencial para a ACIC e seus atletas. A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) tem parceria com a associação para o uso do espaço para treinos de corrida, assim como a Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), que oferece a piscina para treinos de natação. Sem essas parcerias, os treinos não teriam como ser feitos, pois ainda falta investimento para a construção de espaços adequados. A falta de materiais adequados também é uma realidade da ACIC. A dificuldade de encontrar uma bola com guizo foi um dos problemas enfrentados esse ano. Muitas vezes os professores têm que ser criativos, improvisar ou fabricar o próprio material. Artur afirma que é necessário a criação de espaços inclusivos adaptados para as pessoas portadoras de deficiência visual, como o Centro Paraolímpico Brasileiro de São Paulo: “Tornar inclusivo seria construir um centro poliesportivo adaptado. Pra coisa funcionar teria que ser daquela forma. Construção já adaptada, não estar readaptando”.

 

          Os atletas da ACIC também são levados para participar de competições, como os Jogos Abertos Paradesportivos de Santa Catarina (PARAJASC). A última edição ocorreu em Caçador, na qual levaram alguns prêmios para casa. Essa interação também faz parte da reabilitação da pessoa com deficiência visual, pois faz com que o atleta se sinta parte da comunidade, trazendo mais confiança e segurança no seu dia-a-dia. “Através da vivência do esporte, da auto-estima que a pessoa adquire, da socialização com outras pessoas nas viagens e competições. Isso melhora bastante a confiança e a percepção”, afirma Artur.

 

           Gregory Krohling Almeida, 31 anos, tem baixa visão e é um dos atletas que integram a ACIC. Sempre muito ligado ao esporte, ele conta como a prática é essencial para sua vida. Confira no vídeo abaixo:

Algumas das atividades realizadas pela Associação Catarinense pela Integração do Cego. Também estão inclusos o futebol e o tênis de mesa. Foto: Giuliana Arruda 

Atleta Gregory Krohling Almeida 

Reportagem: Sobre
Reportagem: Artigos recentes
Reportagem: Sobre mim
Atleta Gregory de Almeida
bottom of page